SABORES E SABERES AO SUL DAS MINAS

Quando se fala ou se pensa em culinária mineira, sempre se imagina uma mesa farta, com comidas maravilhosamente deliciosas e (vamos ser honestos) associadas a uma pecaminosa gula, e o melhor: tudo isso é uma grande e incrível verdade.

Ao longo dos séculos, na formação das Minas Gerais, a comida para os mineiros sempre foi uma mistura infindável de ingredientes, de influências, de adaptações, de alquimias que resultaram nessas fabulosas iguarias, nesses quitutes que não apenas sabem ao paladar mas também aos olhos, ao olfato, ao tato, às lembranças e até aos delírios, nas quitandas quentinhas e macias, nos doces, compotas e manjares a serem apreciados de joelhos: esta a leitura que mais se aproxima ao êxtase que a culinária mineira provoca.

Falamos em alquimia pois é esta a sensação que temos ao ver preparar um prato mineiro, ao experimentar os sabores antigos e queridos; um “cadinho” de farinha, meia “parte” de leite gordo, duas de açúcar “de festa” e “já lá e vem” um “docim” novo, uma quitanda de última hora.

Mas isto é coisa de mineiro, pois que na exploração destas serras, nas passagens pelas grotas, nos descansos beira de rio ou várzea, comer sempre foi um ato de comunhão, de encontro, de partilhamento, de agradecimento ao “pão nosso de cada dia”. Comer, e mais que isso, comer junto aos seus e aos amigos e visitantes e aos anônimos que à porta batia, formou o mineirismo que é sinônimo de acolhimento.

Só de pensar no café, no cheiro fresco e quentinho, nas sensações que às narinas enfeitiçam e às lembranças transportam, ficaríamos uma eternidade de tardes a relembrar e enumerar seus efeitos.
Que falar do pão de queijo cheiroso, do biscoito de polvilho, da broinha de milho seca ou da macia, do pastel de milho de recheios generosos, do bolo de fubá com açúcar e canela, do queijo fresco ou do curado, das colheradas de doce de leite tiradas em impulso infantil das doceiras de vidro ou cristal, das frutas cristalizadas – puras, recheadas ou em compota, do torresmo crocante a denunciar as mastigadas de oca cheia, do leitão à pururuca, da galinha com quiabo, da costelinha de porco com quirerinha, do viradinho de feijão, da suã com arroz no caldeirão de ferro e de histórias, do calor da cachaça amarela,
da branca ou da temperada, tomada na cabacinha ou no copo nas rodas de viola, nos velórios e nos folguedos, nas risadas e rostos amigos e fraternos que nos abraçam e confortam, nos transportam e protegem, nos alegram e acalentam.

Esta a mineirice das comidas, das comidinhas e de suas lembranças, tudo sempre presente, como presente é a certeza de sua permanência na vida de nós mineiros, nativos ou adotados, que nos orgulhamos de ter nas gerais de minas nossos pés fincados, nossos corações pulsando, nossos braços sempre abertos a espreitar mais um amigo, a angariar mais um cúmplice de gostosos momentos, de uma união que transcende à pátria e que marca a nossa humanidade, que é mineira, uai!

Maria Stella Libânio Christo in “Fogão de Lenha – Quitandas e Quitutes de Minas Gerais"

Costume mineiro é comer cinco vezes por dia. Só café, coletivamente, o mineiro toma três. O primeiro é simples e bem cedinho, acompanhado de pão com manteiga ou broa de fubá. No meio da tarde, o segundo café se acompanha de bolo, rosca, biscoitos e queijo fresco. Antes de dormir, café reforçado com quitandas. Os homens preferem café grosso, forte, de pouco açúcar. Crianças e mulheres tomam café bem ralo, água-de-batata, quase só adoçado. No interior, a rapadura ainda substitui o açúcar para adoçá-lo.

Na chapa quente do fogão, o bule passa o dia vigilante, sempre solícito a mais um gole. Café na hora e sem adoçar previamente, é só quando há visita de cerimônia. A caneca esmaltada, então, cede lugar à xícara de louça ou porcelana, e o açucareiro soleniza o gesto hospitaleiro.

(Texto: Dalva F. Zambone)

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